Adaptar ou morrer? Num mundo em que a tecnologia e a sociedade estão a evoluir a um ritmo muito mais acelerado do que as empresas conseguem acompanhar, a adaptação constante é chave.
No livro “A origem das Espécies”, Darwin defende que na natureza acontece um processo de evolução das espécies através de uma seleção natural, que assegura a continuidade através dos indivíduos melhor adaptados ao meio onde se encontram. Volvidos 160 anos, a ideia do biólogo inglês permanece relevante. “As espécies que sobrevivem não são nem as mais fortes, nem as mais rápidas, nem sequer as mais inteligentes, mas aquelas que melhor se adaptam à mudança”. Se substituirmos a palavra “espécies” por “empresas”, temos a chave do darwinismo digital.
Somos uma espécie cujo habitat é agora governado pela tecnologia, e que muda a uma velocidade vertiginosa. A tecnologia e a sociedade estão a evoluir a um ritmo muito mais acelerado do que os negócios conseguem acompanhar, e uma coisa é certa: ao mesmo tempo que representa uma tremenda oportunidade para organizações inovadoras, a mudança tecnológica está a levar à extinção empresas que não conseguem adaptar-se. Face a isto, uma questão pertinente se levanta: adaptar ou morrer?
Transformação digital é a chave
O caminho para a sobrevivência das empresas passa, inevitavelmente, pela conversão em empresas digitais, nas quais o software seja parte integrante de todos os processos. Mas desengane-se, se pensa que basta investir em tecnologia. Como diz Aaron Levie, CEO e fundador da BOX, “acrescentar software a um processo obsoleto não é digitalizar”. Há que reinventar o processo por completo – transformar a organização, para que possa tirar partido de todas as novas possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias.
Num mundo em que as regras e os objetivos mudam constantemente, as empresas bem-sucedidas a longo prazo não são aquelas que tentam chegar ao próximo nível, mas as que se adaptam constantemente. A pergunta que se coloca é “como”? Face ao grau de incerteza existente, é cada vez mais difícil para os gestores conseguirem identificar claramente em que setor e com que empresas estão a competir, e isso representa um enorme desafio para a elaboração estratégica.
De uma forma geral, o objetivo da maioria das estratégias passa por criar uma vantagem competitiva duradoura, estabelecendo um posicionamento de mercado inteligente e/ou reunindo os recursos e competências necessárias para desenvolver/entregar determinada oferta. Por norma, as empresas fazem revisões periódicas das suas, definindo a sua direção e estrutura organizacional com base numa análise detalhada do setor em que se inserem e nalgumas previsões de como o mesmo evoluirá.
Tudo certo até aqui, não fosse a incerteza. Que começa a levar as empresas a colocarem questões como “como podemos aplicar estruturas baseadas em escala ou posição quando, no espaço de um ano, podemos passar de líderes de mercado a seguidores?”; “Quando não é claro onde um setor termina e outro começa, como é que medimos o nosso posicionamento?”; “Quando o ambiente é tão incerto, como podemos aplicar as previsões e análises tradicionais que estão no centro do planeamento estratégico?”; “Quando somos diariamente ´bombardeados` com informação, como conseguimos captar os sinais certos para entender e aproveitar a mudança?”; “Quando a mudança é tão rápida, como é que um ciclo de planeamento de um ano – ou, no pior cenário, de cinco anos – pode permanecer relevante?”.
A resposta a todas elas é basicamente a mesma, de acordo com o artigo “Adaptability: The New Competitive Advantage” publicado pela Harvard Businesse Review: uma vantagem competitiva sustentável já não depende exclusivamente de fatores como posicionamento, escala ou capacidade de produzir/entregar uma oferta. Em vez de serem realmente boas a fazer alguma coisa em particular, as empresas devem preocupar-se a ser realmente boas a aprender a fazer coisas novas.
Seguem-se quatro capacidades organizacionais que, e de acordo com os autores do artigo, são fundamentais para alcançar vantagem competitiva e caracterizam as atuais empresas líderes de mercado.
Capacidade para ler os sinais e agir
Para se adaptarem, as empresas têm de estar atentas a todos os pequenos sinais de mudança que acontecem à sua volta, descodificá-los e agir rapidamente, ajustando ou reinventando o seu modelo de negócio em consonância. E, numa era de saturação da informação, têm de garantir que se rodeiam dos inputs certos e realmente relevantes, recorrendo a tecnologias avançadas para identificarem padrões que lhes permitam intervir em tempo real.
Veja-se o exemplo da Tesco. Ciente de que ouvir os clientes é fundamental para compreender o estado real da empresa, a retalhista realiza constantemente análises detalhadas dos padrões de compra dos mais de 13 milhões de membros do seu programa de cartões de fidelização. As conclusões que retira destas análises permitem-lhe, não só, adequar a oferta de produtos a cada loja/segmento de clientes, como funcionam como sinais de alerta para eventuais mudanças de comportamento.
Estar sempre ao lado do cliente, foi fulcral para se tornar no maior retalhista britânico e no segundo maior do mundo, atraindo para si todos os segmentos de mercado – para além de uma divisão bancária, oferece apólices de seguro, planos odontológicos, downloads de música e serviços financeiros –, sempre de olho na concorrência. Por exemplo, em 2016, para não perder a competição para a Amazon, tornou-se na “primeira retalhista alimentar britânica” a lançar um canal no IFTTT (If This Then That), um serviço automático que permite aos consumidores encomendarem as compras de supermercado, monitorizando o preço na plataforma digital da Tesco.
Capacidade para experimentar
O que não pode ser deduzido ou previsto pode, não raras vezes, ser descoberto por meio da experimentação. Ainda que seja comum as empresas recorrerem a este método, nem que seja para desenvolverem e testarem novos produtos e/ou serviços, as abordagens tradicionais são, por norma, dispendiosas e morosas, baseando-se, na maioria das vezes, em perceções dos consumidores, tidas como preditivos de sucesso ineficazes.
Face a isto, muitas estão a optar por novas abordagens e tecnologias, preferencialmente em ambientes virtuais, para desenvolver, testar e replicar um maior número de ideias inovadoras de forma mais rápida e a menor custo/risco. A Procter & Gamble (P&G) é um bom exemplo. Para responder aos desafios competitivos colocados a um leque tão variado de produtos em todo o mundo, a empresa precisa de uma máquina poderosa e permanentemente ativa de inovação.
Para isso, conta com cerca de 9500 pessoas a trabalhar no seu departamento de I&D, mais de um milhão de investigadores a trabalharem através das suas redes externas, um sítio na Internet designado “Ask Me”, que liga cerca de 10 mil técnicos em todo o mundo e funciona como mercado virtual para troca de ideias e resolução de problemas, e 21 “comunidades de prática” criadas em torno de áreas chave de conhecimento – para dar apenas alguns exemplos –, prestando uma atenção crescente àquilo que chama de “inovação a 360 graus”.
E ainda que o foco da experimentação seja, na maioria das vezes, os produtos/serviços da empresa, há que alargar o espectro. Num mundo cada vez mais imprevisível, onde estratégias e rotinas se tornam rapidamente obsoletos, há que experimentar também novos modelos de negócio – veja-se o exemplo da IKEA que, apercebendo-se de que de cada vez que abria uma loja na Rússia, o valor dos imóveis nas proximidades disparavam, decidiu explorar um novo modelo de negócio.
A par do foco na experimentação, há que ser tolerante ao fracasso. Ao ponto de celebrá-lo. Porque os erros são uma das maiores fontes de aprendizagem.
Capacidade para gerir sistemas complexos de várias empresas
Saber detetar sinais e experimentar exige às empresas pensarem além-fronteiras e trabalharem lado a lado com consumidores e fornecedores. Exige deixarem de pensar no negócio como “entidade individual” para passarem a considerá-la um “sistema de negócio dinâmico”. Porque há muito que a estrutura dum setor deixou de ser vista como um conjunto de empresas concorrentes que produzem bens e serviços semelhantes numa base estável, distante e meramente transacional com fornecedores e consumidores, para passar a ser olhada como uma rede ou ecossistema de empresas concorrentes codependentes. A complexa rede de vendedores e compradores do eBay é um bom exemplo.
Num artigo de opinião escrito em 2012, o Jornal de Negócios avançou com uma explicação simples para a crise da Nokia: “(…) Não percebeu. Não percebeu para onde ia a evolução da informação em massa, não percebeu as novas formas de comunicação, as redes sociais, a mobilidade dos conteúdos, os desenvolvimentos vertiginosos das telecomunicações. (…) E foi ultrapassada pela Apple, pela Samsung e Google na massificação de dispositivos associados às novas necessidades de comunicação. Como o outrora CEO da Nokia Stephen Elop chegou a dizer à sua equipa, “os nossos concorrentes não estão a conquistar a nossa participação no mercado com dispositivos; estão a conquistá-la com todo um ecossistema”.
Há uns anos ninguém adivinharia este cenário. Mas o mundo mudou.
Capacidade para mobilizar
Estruturas flexíveis e um poder de decisão disperso por toda a organização – que permite às pessoas na linha da frente, mais propícias à deteção de sinais de mudança, responder rápida e proactivamente – são fatores chave para a adaptabilidade. Cada vez mais, as empresas precisam de criar ambientes que incentivem o fluxo de conhecimento, a diversidade, a autonomia, a assunção de riscos, a partilha e a flexibilidade. E acabar com regras rígidas.
Na Netflix, por exemplo, existem apenas dois tipos: as projetadas para evitar desastres irrevogáveis e as criadas para evitar problemas morais, éticos e legais. Claro exemplo de empresa que abraçou com sucesso a adaptabilidade como vantagem competitiva, a líder em conteúdos digitais tem como estratégia aumentar a liberdade dos colaboradores em vez de a limitar, para continuar a atrair pessoas inovadoras e, desta forma, aumentar a probabilidade de sucesso contínuo a longo prazo.
Em suma, num mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, as empresas que realmente prosperam são rápidas a agir aos primeiros sinais. Descobriram como experimentar com rapidez, frequência e economia, não apenas no que respeita a produtos e serviços, mas também a modelos, processos e estratégias de negócio. Tornaram-se hábeis a gerir sistemas complexos de múltiplas partes, num mundo cada vez mais conectado. E, mais importante que tudo, aprenderam a desbloquear os seus maiores recursos – as pessoas.
E a sua empresa, do que está à espera para lhes seguir o exemplo?